Capítulo I

   Era tarde de uma fria noite de chuva de novembro quando aconteceu. Ele estava preste a acordar de sua realidade. Ainda que obscura e suja, sentia que poderia se redimir. Poderia mudar o que houve no passado, mas sabia que o que tinha a fazer daí em diante não era a melhor das soluções.
   Calado fitando as pessoas correrem com seus casacos por sobre a cabeça fugindo da chuva pensava em mil coisas. Como pude me enganar? Como fui agir dessa maneira?
   Estava a um passo de se perder por completo quando o telefone toca atraindo-o de volta para seu minúsculo quarto de apartamento de um hotel velho e imundo, jogado às traças.
    Andou a passos lentos até o telefone, esperando e rezando por boas noticias.
   Com sua mão trêmula, pegou o telefone retirando-o do gancho. Levou-o até ao ouvido e esperou pela voz do outro lado.
    Steve? É você? Pergunta aquela voz ouvindo apenas o seu respirar ofegante, como a de uma pessoa que correu por quilômetros. Preciso falar com você. Pelo que parece nossos planos foram por água abaixo. Ela não quis aceitar a proposta. Um silêncio ainda maior tomou conta da situação. Steve, ainda está aí? Estou. Ótimo! Vamos nos encontrar na estação de trem de Divindad em vinte minutos... Não se atrase.
    Após estas palavras, o telefone ficou mudo. Ainda atordoado, ficou imóvel por um tempo com o telefone colado em seu ouvido. Perdido em mil pensamentos. O que será que ele quer comigo? Eu disse que desistira de tudo. Não suportava mais aquela situação.
     Mesmo confuso com aquelas palavras, decidiu ir ao encontro de seu companheiro. Saiu pela porta pegando apenas seu velho relógio falsificado, mas que tinha uma pequena estima. Desceu as escadas como se fosse a última coisa que faria naquela noite. Quando chegou à portaria percebeu que a chuva caía de uma forma avassaladora por noite adentro, e havia se esquecido de pegar seu guarda-chuva. Sem demora, não pensou duas vezes e enfrentou aquela árdua chuva se protegendo apenas com suas mãos por sobre a cabeça.
  Passou por uma cafeteria ainda aberta. Parou em frente à entrada. Olhou seu relógio. Ainda há tempo. A estação de trem é logo ali virando a esquina. Aproveitando para entrar e se servir de um café bem forte para revigorá-lo daquele dia estafante que ainda parecia não ter acabado. A garçonete veio com um sorriso cansado até ele. O que deseja senhor? Pergunta-lhe com um tom fatigante de um dia inteiro de estresse. Um cappuccino, por favor. Respondeu olhando para ela cruzando seus braços e debruçando seu corpo exausto sobre o balcão e pensando. Seu dia com certeza não foi pior que meu. Acredite!
O lugar estava quase fechando quando ele ouviu um estrondo. A garçonete subitamente da um salto para trás. Ai meu Deus! Essa chuva está muito forte! Não sei como farei para ir embora. Tenho muito medo de relâmpagos. Olhou para Steve. Acho melhor o senhor ser gentil na gorjeta, pois acho que vou precisar de um táxi. Disse com os olhos pouco arregalados e tentando esboçar um sorriso, mas só fez com que seu medo de trovões ficasse mais evidente. Ele sabia que aquele som, apesar da chuva, era inconfundível. Era o som de uma arma de fogo disparando seu projétil contra algo ou alguém. Seu som rompeu o barulho de chuva caindo.
Em seguida, um homem com um terno todo encharcado atravessa pela porta da loja desesperado. Ele atirou a queima roupa! Gritava de forma descomunal. Quem, homem? Quem atirou em quem? Pergunta-lhe a garçonete ainda mais apavorada por ter sido enganada pelo som que confundira com um relâmpago.
Os dois homens que conversavam na estação de trem! Eles começaram a discutir até que um puxou sua arma e atirou contra o outro. Eu estava lá esperando o trem. Tomei um baita susto e saí correndo dali a todo vapor! Chamem a polícia!
Quando ouviu isso, Steve teve uma súbita reação. Levantou-se da cadeira num só pulo e saiu porta afora avançando aquela chuva em direção à estação de trem. Não pode ser! Não pode ter sido ele!
Quando chegou às escadarias que levava à estação subterrânea de trem percebeu um silêncio sombrio e mórbido. Como se fosse uma estação abandonada.
Desceu as escadas a passos lentos. Seus olhos fitavam tudo. Olhava de um lado a outro num embalo alucinante e incansável. Seu corpo estava trêmulo, mas não pela água gélida da chuva que empapava todo seu corpo, mas pelo medo estampado no rosto. Seus olhos estavam fundos em suas órbitas. Sua mão suava fria. Seu coração estava acelerado. As pernas tremiam a cada passo dado.
Quando chegou ao pé da escada, avistou o corpo de um homem estirado ao chão próximo a passarela de embarque. Apressou-se pulando pela catraca e foi em direção a ele. Sempre olhando para todos os lados procurando por alguém mais naquela estação. Nada. Vazia. Somente ele e o ser estirado no chão. Começou a escutar bem ao fundo o barulho de sirenes ficando cada vez mais alto. A polícia havia sido chamada. Logo estariam ali.
Parou ao seu lado, ajoelhando-se. O corpo estava com o rosto virado para o chão, os braços esticados para baixo com uma das mãos por debaixo dele, na altura do abdome. Esticou os braços com cuidado segurando-o e num movimento só ele o puxou para sua direção tornando visível o rosto do homem. Era ele! Era seu amigo Fred. Um tiro havia perfurado sua barriga. O sangue tomava conta do chão a sua volta cada vez mais. Debruçou-se para ouvir se o homem ainda respirava. Notou uma leve baforada acariciar seu rosto. Ele está vivo!

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