Capítulo III

     Tenho que sair daqui o quanto antes! Disse Fred a Steve. Se continuar aqui será pior. Pior será se eles descobrirem sobre Tânia, meu caro amigo. Completa Steve voltando a sua postura normal e indo para junto da cama. Mas não podemos nos arriscar tirar você daqui. Irão suspeitar, sem contar que é óbvio que os médicos não lhe darão alta com você neste estado.
        Uma fuga inesperada daquele hospital não seria uma coisa muito inteligente. Fred ainda estava muito fraco, mas eles precisavam encontrar Tânia o quanto antes.
Após conversarem por algum tempo, Fred convence Steve que uma busca seria necessária. Ele teria que ir até o local onde Tânia estava. Com alguns questionamentos e intuições, Steve finalmente decide sair daquele hospital.
        Despediu-se de seu amigo desejando melhoras e garantiu que em breve retornaria com boas noticias. Só não fazia ideia de como isso tudo iria acontecer.
Saiu do quarto às pressas e tomou o elevador. No saguão, andou em passo acelerado em direção à porta principal e em linha reta sem olhar para canto algum. Queria evitar ser surpreendido por aqueles agentes novamente. O que iria lhe garantir ter que dar mais satisfações.
Quando saiu pela porta do hospital, tudo lhe pareceu novo naquela pequena cidade do interior onde morava. Uma cidade de poucos habitantes que lutava entre tradições e modernidade. A geração das máquinas era uma coisa muito nova ainda para a grande maioria das pessoas que relutavam a aceitá-las. Uma população que ainda escrevia cartas; passeavam em praças e bosques; brincavam nas ruas; subiam em árvores para desfrutar de uma fruta suculenta; comiam o que plantavam... O pequeno e sutil transito diário, tal qual ele sempre enfrentou a vida toda para ir para o trabalho – uma pequena empresa de design que seu tio, um dos poucos homens que buscava a modernidade através dos computadores, havia levantado com muito esforço e dedicação – parecia haver um encanto naquela manhã.
Lembrava-se de quando seu tio, sabendo de sua afixação pelos computadores – que eram máquinas do futuro daquela época -, o convidou para trabalhar em seu pequeno escritório o qual ele tinha orgulho de chamar de empresa.
Era na verdade um prédio minúsculo de apenas três andares, todos comerciais. No térreo havia uma loja de calçados que não era muito frequentada. Sua proprietária, a Dona Justina, era uma velha senhora muito gentil. Seu sustento saía da aposentadoria de seu falecido marido, o qual era da polícia. Tinha grande prestígio. Em seu funeral, boa parte da cidade fora para prestigiá-lo e oferecer conforto à sua esposa pela exímia perda. Era um grande policial. Morrera de câncer de próstata. A loja era somente um passatempo, como ela mesma costumava dizer. No primeiro havia um departamento de contabilidade do Doutor Mauro. Era um advogado muito bem sucedido que nas horas vagas gostava de administrar seu escritório contábil. Pensava em alugar o segundo andar que ainda estava vazio. Pretendia transformá-lo no seu escritório de advocacia, mas ainda não se decidira. A empresa de seu tio localizava-se no terceiro e último andar. Não havia elevador e sempre subia as escadas, que eram pouco estreitas, a passos largos. Considerava aquela sua academia diária. Algo realmente útil para quem passava metade do dia sentado em frente à tela de um computador. Às vezes, em meio às adversidades do expediente, levantava-se de sua cadeira e corria em direção à escada subindo e descendo-a algumas vezes. Dizia que aquilo o despertava e o fazia produzir mais em seu trabalho. Criava, inventava, recriava e moldava. Tudo aquilo era uma música para ele. Nas horas vagas de descanso, se perdia em pesquisas aleatórias pela rede. Desenvolveu uma aptidão por desenvolvimento de softwares. Aprendeu a decifrar códigos de páginas, de rede. Logo descobriu um talento nato para hacker. Passou a descobrir senhas, acessos confidenciais, mas tudo apenas por emoção e pelo gosto do desafio. A cada hora ele ia mais além, mas nunca fora tão longe a ponto de se meter em encrencas. Até que um dia ela apareceu. A nova funcionaria de seu tio. Uma linda e jovem mulher de cabelos negros e lisos. Olhos verdes. Um corpo esbelto, cheios de curvas nas medidas certas. Um busto de parar o trânsito. Ele pensava. Seu nome, Tânia.
        Sua mesa era exatamente ao lado da dela. Puxa que sorte a minha! Se eu não fosse tão tímido... Ela era dedicada em seu trabalho. Era bem focada naquilo que gostava de fazer. Executava-o com perfeição. Não gostava de deixar o serviço para depois. Não pensava duas vezes quando o assunto era novidade. Gostava de se aventurar. Muito simpática. Gostava de fazer novas amizades e era bem comunicativa. Era facilmente atraída pelo desconhecido.
       Várias vezes ela o surpreendeu fitando-a. Todas às vezes, ao ser pego, ele disfarçava olhando para o outro lado como se não fosse nada, mas ela notava o enrubescer de seu rosto e sempre lhe lançava um doce e convidativo sorriso. Notoriamente, ela estava sendo atraída pela timidez daquele garoto. Quer tirar uma foto para guardar de lembrança Steve? Disse ela quando o viu fitando-a novamente. Er... Não, é que... Calma, Steve. Eu não mordo. Só estou brincando. O rapaz fica sem jeito. Porque você fica sempre vermelho quando lhe dirijo o olhar? Pergunta Tânia tentando começar uma amizade. É que... Sou um pouco tímido. E você é muito bonita. É complicado ficar sentado aqui de frente para você e não lhe notar. Tampouco conseguir evitar ficar fascinado pelo seu olhar. Diz Steve enchendo-se de coragem, mas o rosto queimando de vergonha. Nossa, obrigada! Agora eu quem fiquei sem jeito. Diz lançando-lhe mais um sorriso. Mas então, - continua – você não tem namorada nem nada? Sempre te vejo aí trabalhando, e quando vai para casa na sexta-feira, não o vejo comemorando dizendo que vai sair com os amigos e tudo mais... Desculpe se estou sendo indiscreta, mas você não tem amigos? Ela era bem direta. Não gostava de rodopios nas conversas. ‘Seja objetivo e reto!’ era sua frase de efeito. Steve estava encabulado, mas não gostou um pouco do que ela o dissera. Sentiu-se ofendido, mas respondeu sua pergunta não dando importância a suas palavras. Não tenho. Sou somente eu e meu tio Adam. Moro com ele desde criança. Meus pais se foram e ele se encarregou de cuidar de mim. Nossa, meus pêsames. Diz Tânia tentando confortá-lo. Não, eles não morreram não. Responde Steve. Pior, me abandonaram. Disseram ao meu tio que não estavam prontos para ter um filho e sumiram do mapa. Meu tio também nunca os procurou. Ele dizia que, mesmo que os encontrasse, seria perca de tempo, pois não passavam de duas crianças que não souberam virar adultos, e que talvez nunca vão saber. Tânia sente o peso de Steve. Às vezes penso: “mas nem eles perguntaram ao meu tio se ele estava preparado e tampouco disposto a sacrificar sua vida para cuidar de uma criança que nem era seu próprio filho!”... Isso me entristece um pouco, mas sou muito grato pelo meu tio ter se sacrificado para cuidar de mim. E seu tio? Ele é casado? Tânia pergunta. Não. Ele sempre foi sozinho, quer dizer, sempre fomos somente eu e ele. Até namorou algumas vezes, mas ele não tinha muita paciência com relacionamentos não. O maior dele, que eu me lembre, que durou cerca de seis meses acho. Nossa! Tânia exclama. Eu o considero como um pai sabia. Ele, de fato, é o meu pai. Não poderia ter outro melhor. Faço qualquer coisa por ele. Os olhos de Steve se enchem de lágrimas ao falar do tio amado. Quando fiz dezesseis anos, lembro-me que ele disse que queria montar uma empresa de design, cheia de computadores e tudo mais que tinha direito. Ele é fascinado por essas invenções novas sabe. E logicamente, eu também sou. Acho incrível essa máquina aqui na nossa frente. Ela é capaz de fazer de tudo, mas poucas pessoas sabem disso. Principalmente nessa cidade. O que tem essa cidade? Pergunta Tânia com um pouco de duvida daquelas palavras. Ela achava que ele adorava viver lá, pois nunca falara mal do lugar onde vive. Diferente da maioria das pessoas que ela conversou. A cidade não tem nada de errado, mas essas pessoas... Elas teimam em aceitar a modernização. Isso é um caminho sem volta! Uma vez criada, jamais será revogada. Então, ou você aceita e começa a implementá-la em sua vida cotidiana, ou você viverá eternamente num abismo sem fundo. Ficará lá, caindo, e caindo, e caindo... Quando finalmente perceber que estava errado, poderá ser tarde demais. Tânia concordava um pouco com aquela realidade que Steve tinha, mas não aceitava certas opiniões e a forma de como ele a tratava com certo desprezo. A modernização realmente era importante, mas não havia mal algum em manter certas tradições. Ela acreditava que isso tornava viva a cultura de muitos povos enraizando suas origens numa história eternizada. Mas preferiu não discutir com ele sobre isso. Não naquele momento pelo menos. Interessante esse seu jeito de pensar. Poderíamos sair um dia desses para você me contar mais sobre sua vida e seus objetivos. O que acha? Diz Tânia. Uau! Você é direta mesmo! Exclama Steve ficando novamente ruborizado. Sou objetiva e reta! Diz com um olhar fixo nos dele deixando-o mais constrangido ainda. Está bem. Que tal hoje? Aproveitando que é sexta-feira. Hum gostei! Aonde você ira me levar? Diz Tânia toda empolgada polo rapaz finalmente se encher de coragem convidando-a para sair. Bom, er... Então... Eu ainda não pensei. Diz Steve sentindo-se um pouco bobo por não saber aonde levar a moça. Bem, - Tânia tenta ajudá-lo - se você não se importar, gosto de encontros simples. Podemos aproveitar este tempo quente. Que tal uma sorveteria e depois um passeio no bosque? Sei que você gosta de modernidade e tudo mais, mas nada encanta mais uma garota que um encontro simples onde ela pode perceber que é o centro de sua atenção. Um tempo todo dedicado a ela, e mais nada! Tânia diz indicando o caminho certo ao Steve. Sim, claro, claro... Era o que eu iria propor agorinha mesmo. Responde Steve dando um sorriso sem graça e tentando disfarçar a falta de jeito com as mulheres. Não era de se espantar. Nunca namorara antes, mas Tânia não sabia disso, ou melhor, percebeu, mas fingiu não saber para não envergonhar ainda mais o garoto.
        Está bem. Diz puxando um pedaço de papel e fazendo umas anotações. Tome. Este é meu endereço. Espero você às oito da noite. Entrega-lhe o papel. Ele o toma sem jeito. Er... Sim, claro. Às oito... Mesmo tímido, era possível ver seu brilho nos olhos. Hoje seria o dia do seu primeiro encontro.
No fim do expediente, Tânia arruma suas coisas. Levanta-se da sua cadeira. Vira para Steve. Até mais tarde fofo. Sorriu de uma forma demente. Os olhos ficaram perdidos fitando o nada. Começou a balançar a cabeça de um lado a outro como num embalo musical. Parecia um cantor cego, cujo nome não se lembrava, mas o ouvia muito graças ao seu tio.
Voltou para casa com um sorriso gigantesco. Mal podia esperar para se reencontrar com a garota. Chegou a sua casa. Tomou um banho, vestiu sua melhor roupa, uma calça jeans nova que comprara há alguns dias atrás, mas que nunca usara, e uma blusa azul claro de botão, um traje simples, mas que ele adorava e partiu para buscá-la. Aonde vai Steve? Pergunta seu tio Adam. Hoje vou sair tio. Encontrar alguns amigos e conversar um pouco. Adam sabia que seu sobrinho estava mentindo. Ele nunca fora de sair antes, mas não se preocupou. Percebeu que pelos brilhos em seus olhos, e aquele sorriso descomunal cobrindo quase que sua cabeça inteira, não seria por outra razão se não fosse um encontro com uma garota. E ele suspeitava que fosse Tânia, pois sempre o pegara observando-a. assentira sua felicidade. Está bem, mas não demore hein. Responde ao sobrinho que saia porta afora.
Chegou à casa de Tânia como se fosse colado a sua de tão rápido que fora. Caminhou até a pequena varanda, e subiu seus dois degraus de escada. Seu coração acelerado podia ser ouvido a quilômetros de distância. Tocou a campainha. Só um momento, por favor! Era a voz dela. Aquela voz doce e angelical.
Ficou imóvel. Respirava somente o necessário para o sangue oxigenado fluir em suas artérias, até que a porta se abriu. Seus olhos estalados, vidrados naquela moça de corpo escultural. Ela estava linda. Estava com um vestido que ia até a altura dos joelhos, todo florido. Os cabelos soltos atrás e com uma tiara sobre a cabeça. Estava vestida da forma mais simples possível, mas era de um encanto vibrante.
Vamos? Diz a moça trancando a porta de sua casa. Espero não ter me esquecido de trancar nada. Ela morava sozinha há algum tempo. Sim... Vamos. Responde Steve retornando a si.
Eles se dirigiram à sorveteria como fora proposto. Eles optaram por uma enorme banana split e a comeram juntos. Sempre rindo e brincando um com o outro. Steve estava começando a se sentir mais a vontade em companhia da jovem moça. Parecia um casal feliz comemorando alguma data em especial.
Depois da sorveteria, caminharam até o bosque, que ficava a umas poucas quadras dali. Era um bosque bem frequentado por casais, tanto que era conhecido como o bosque do amor, mas seu nome original era bosque das árvores.
Nele, havia uma pedra bem grande. As pessoas costumavam chamá-la de pedra do alto. Um nome não muito criativo, e também não era um lugar muito frequentado. Lá, havia alguns bancos em volta, e era possível também subi-la, ficando em sua parte mais alta. De lá, era possível ter uma vista privilegiada do bosque.
Durante o passeio no bosque, Steve falou mais de sua vida e de seu tio. Ele o venerava. Era sua única família. Comentou que seu tio andava um pouco sumido da empresa, pois estava tendo algumas complicações com sua saúde. Sentia algumas dores, mas também não era para menos. Tinha quarenta e oito anos de idade e não cuidava muito bem da saúde. Era o filho mais velho dos meus avós, e seu pai, o que abandonara quando ainda bebê, era o mais jovem. Meu pai biológico tinha dezessete anos quando me abandonou. Disse Steve. Mas eu não sinto nenhuma falta dele se quer saber. Afinal, ele nunca esteve presente em minha vida mesmo. Como posso sentir falta de uma pessoa que nem sei seu rosto? Claro, eu o via nas fotos, mas... Contém-se por um instante. Enfim, Adam é meu pai e isso o que importa. Sei que ele é meu tio, mas para o meu coração, ele é meu pai. Tânia sente o pesar daquelas palavras. Sinto muito. Diz. Sua dor não deve ser pequena, mas estou aqui para ajudá-lo. O que puder fazer por você, me fala, tá!?
Sem perceber, se dirigiram à pedra alta. Ei, que tal subirmos lá em cima? Diz Tânia puxando Steve pelo braço e caminhado pela trilha que levava ao topo da pedra.
Já no alto, sentaram-se no chão e ficaram observando o movimento das pessoas pelo bosque e a lua, que estava cheia naquela noite.
Você não me falou sobre você. Indaga Steve. Eu falei tanto sobre mim, mas não ouvi sobre você. E olha que você me disse que gostava de encontro simples onde a garota era o centro das atenções, mas aqui só estou me vendo falar. Parece até um monólogo. Mas, é isso. Você está me dando atenção, ou você acha que quando uma mulher fala em atenção significa apenas que você só precisa ouvir o que ela tem para falar? Muito se engana pensando assim. Nós gostamos de ouvir também, e gostamos de ver que vocês tem algo para falar. Isso significa ter dialogo. Não basta só ouvir, tem que falar também. E como você acha que a mulher se sente falando com um homem que não pronuncia uma só palavra? Também nos soa como um monólogo, mas não se preocupe que mais tarde você poderá me conhecer. Por hora, daremos ênfase à sua história. Responde Tânia desvendando o mistério das mulheres. Então preciso avisar muitos homens, pois eles não sabem desse segredo. Diz soltando um leve sorriso. Ah você sabe sorrir! Exclama Tânia ao ver aquela cena única. Finalmente vejo um sorriso ai nesse rosto. E quer saber? Você tem um lindo sorriso. Mesmo que sem jeito, mas tem. Steve fica sem graça. Você sabe me deixar sem jeito. Fala o garoto baixando a cabeça com vergonha. Steve, sabe o que me atraiu em você? Essa pergunta tomou-lhe a mente antes. Ele realmente gostaria de saber, pois na empresa havia muitas pessoas bonitas que se enquadravam no ‘padrão’ de Tânia formando um belo par. Então porque justo ele? Não sei. Por ser filho do dono? Responde Steve soltando um sorriso amarelo pela piada sem graça. Não Steve. Pouco me importa se você é filho do dono, ou filho de um Zé ninguém. Você me chamaria atenção mesmo assim. O que gostei em você é esse seu jeito meigo de ser. Você é gentil, carinhoso, atencioso, um verdadeiro fofo. Ri. É, e bem sabemos o que as mulheres querem com um cara ‘fofo’. Responde com certa indignação. O que elas querem? Tânia percebe sua alteração de voz. Amizade. Steve diz assentindo. E quem foi que disse que eu só quero amizade de você?
Steve é pego de surpresa por essa resposta. Espantado, volta-se para Tânia que o encara seriamente. Decidida nas suas palavras. Ele fica desnorteado, sem saber o que fazer ou falar. Ela, percebendo sua falta de jeito, aproxima mais seu rosto no dele. Essa é a hora em que você me beija, Steve.

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